A lassidão e a cegueira oficial continuam vigentes na
França. Insensível ao clamor popular que pede mão dura contra o terrorismo
islâmico, especialmente após a matança de 84 pessoas em Nice, o presidente
François Hollande freou, através de seu primeiro-ministro Manuel Valls, tudo o
que pôde para que o novo plano de segurança, negociado com a oposição na
Assembléia Nacional, seja magro e mesquinho. Após sete horas de acalorado
debate parlamentar com a direita, o compromisso que saiu disso só consta de
três pontos: o prolongamento do estado de urgência até janeiro próximo, a
possibilidade de realizar invasões domiciliares sem permissão de um juiz e a
possibilidade de explorar os dados que se encontrarem em computadores e
telefones apreendidos.
Com esse arsenal jurídico mínimo, a dupla Hollande-Valls
pensa enfrentar a guerra bestial que o Daesh (ISIS) decretou à França.
O primeiro-ministro Valls teve de agüentar uma sabatina dos
deputados quando sugeriu que seu governo havia feito “todo o necessário” contra
o terrorismo. Cinco dias depois do massacre de Nice e oito meses depois da
matança no Bataclan e no Hyper Cacher, em Paris, esse balanço é, para muitos, inaceitável.
O partido gaullista Los Republicanos (LR) propõe há meses uma série de medidas
que, sem ser milagrosas, poderiam melhorar a luta anti-terrorista e proteger
mais eficazmente a população: reforçar o estado de urgência, aumentar o poder
dos governadores, utilizar o direito de fazer invasões domiciliares
administrativas, criar centros de retenção para os jihadistas que regressam à
França, expulsar os estrangeiros condenados por haver cometido delitos, pôr
tornozeleiras eletrônicas nos suspeitos de poder atentar contra a segurança
nacional, fechamento das mesquitas salafistas, expulsão dos imanes estrangeiros
que predicam o ódio anti-francês e anti-semita, culpabilizar os que consultam
os portais web islâmicos e deter provisoriamente os menores envolvidos em
delitos relacionados com a empresa terrorista.
Só três desses pontos foram adotados na noite da terça-feira
passada. Nesse debate Manuel Valls mostrou-se resistente a adotar uma
“legislação de exceção”, alegando que isso equivaleria a “abandonar o Estado de
direito”.
Nada disso, retrucou Gérard Larcher, presidente do Senado:
“O Senado presta grande atenção a respeito das liberdades, porém também procura
de forma permanente a eficácia”, declarou. E insistiu: “Estamos em estado de
guerra. O Estado de direito deve se ajustar ao estado de guerra”. O momento
mais candente ocorreu quando Laurent Vauquiez, do LR, ante a insistência de
Valls sobre a inconveniência de adotar um arsenal repressivo conseqüente, lhe
lançou: “O senhor invoca a liberdade pessoal dos terroristas. Não há liberdade
para os inimigos da República”.
A carga foi violenta e gerou protestos na bancada de
esquerda, pois alude forçosamente a um caso de consciência que racha a
credibilidade de Hollande: se seu governo não houvesse derrogado uma disposição
do governo anterior, durante a presidência de Nicolas Sarkozy, o terrorista que
massacrou 84 pessoas em Nice não teria podido cometer essa atrocidade: em sua
qualidade de delinqüente estrangeiro, ele teria sido expulso da França após
haver sido condenado, em março de 2006, por atos violentos cometidos contra um
particular. Não o foi, pois, lamentavelmente, a ministra da Justiça de
Hollande, Christiane Taubira, campeã da lassidão, desbaratou, por puro
sectarismo, quase todas as reformas penais da era Sarkozy.
Na realidade, a lógica jurídica não é o que explica o
angelicalismo suicida de Valls. A virulência do discurso governamental contra a
oposição, contra suas propostas anti-terroristas, inclusive contra o informe da
comissão parlamentar Fenech-Pietrasanta, deve-se, temem alguns observadores, a
cálculos políticos egoístas.
A quatro meses das eleições primárias da direita e a nove
meses da eleição presidencial, Hollande e Valls querem despedaçar o campo da
direita e atrair de novo ao curral socialista seus habituais aliados
comunistas, verdes e radicais, e preparar as profundas divisões no seio do PS,
o qual está em crise, perde militantes e conta até com frações muito hostis ao
governo Valls na Assembléia Nacional. Toda concessão no terreno da segurança
seria vista, eles calculam, como um triunfo da direita e da extrema-direita, e
como uma capitulação antes tais formações, o que reduziria ainda mais a escassa
margem que François Hollande teria - no caso de ser de novo candidato da
esquerda - de chegar ao segundo turno na eleição presidencial.
Tal estratégia explica por que, antes do atentado de Nice,
muitas concessões foram feitas em matéria de (in)segurança, na perspectiva de
impedir que a brecha não se amplie ainda mais no campo esquerdista.
Os resultados de tal política foram desastrosos porém, o que
mais indigna a opinião pública é ver que a catástrofe de Nice não levou
Hollande a reconhecer seus erros. “O tríptico emoção, comunicação e
banalização, a partir do momento em que nos afastamos da tragédia, já não
funciona”, denunciou Eric Ciotti. O deputado LR assinala assim o pernicioso
trabalho de certa imprensa de esquerda, escrita e audio-visual, que insistia,
no começo, no caráter islâmico do atentado de Nice, tese que o procurador
François Moulains derrubou. Ele explicou as fases da rápida radicalização
islâmica do terrorista, que havia começado a planejar sua matança sete meses
antes deste 14 de julho. Ciotti aponta igualmente contra a tentativa da mesma
imprensa de censurar, quando não de desvirtuar e ridicularizar as exigências da
oposição. A imprensa adicta ao governo sugere, por exemplo, que a vaia massiva
contra Valls em Nice foi instigada pela “extrema-direita fascista”, quando foi,
na realidade, uma reação expontânea das pessoas ante a ira desatada pela
ausência de força pública na terrível noite do atentado”.
ESCRITO POR EDUARDO MACKENZIE EM 28/ 07/ 2016
ESCRITO POR EDUARDO MACKENZIE EM 28/ 07/ 2016
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